Poeta e filósofo dono de uma obra atemporal, Antônio Cícero deixou carta de despedida aos amigos
Atualidades
Publicado em 24/10/2024

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Da Revista Fórum

Por Julinho Bitencourt

O escritor, compositor, filósofo e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), Antonio Cícero, morreu, na manhã desta quarta-feira (23), na Suíça, ao lado do marido Marcelo. Ele tinha 79 anos, sofria do mal de Alzheimer e se submeteu a um procedimento de morte assistida. Ele deixou uma carta explicando a decisão.

"Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade", diz o escritor em um trecho. “Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação”, revela.

"Queridos amigos,

Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.
Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.
Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.

Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.
Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.
Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.

A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.

Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.
Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.
Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"

Filósofo, poeta, compositor e imortal

Formado em filosofia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele é autor de várias canções de sucesso em parceria com sua irmã, a cantora Marina Lima, entre elas "Fullgás" e "Pra Começar".

Ele compôs ainda "À francesa", com Cláudio Zoli; "O último romântico", sucesso realizado junto a Lulu Santos e Sérgio Souza; e "Alma caiada", gravada por Maria Bethânia em 1976, época em que a letra foi censurada pela ditadura militar.

Em 2017, em entrevista ao O Globo, ele afirmou sobre a sua obra:

“Digo às vezes que sou esquizofrênico, porque é como se eu tivesse dois cérebros diferentes, como se meu espírito se dividisse em dois. Escrevo poesia desde garoto, mas gosto muito de filosofia também. Mas são coisas muito diferentes, filosofia e poesia. No entanto, quando escrevo sobre poesia, não estou escrevendo poemas, estou escrevendo uma coisa que tem muito mais a ver com filosofia, com estética. Mas sempre me preocupei em tentar entender o que é a arte. É uma das minhas preocupações filosóficas.”

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