A função do encanto - "Maestro Adelermo Matos: Música na Mata"
Música
Publicado em 08/01/2018

Edmilson Rodrigues*

Memória da música paraense

Que criança trocaria brincadeiras e doces pelo prazer do piano?

Adelermo Matos, aos dez anos de idade, descobriu a função do encanto, tendo  seu talento flagrado por discípulos do consagrado pianista Mário Neves, inclusive Alda  Leão, que viria ser sua primeira mestra, quando, em uma festa, todos os atrativos foram empanemados pela irresistível força da música.

Adelermo Matos é um desses raros seres humanos que vivem socialmente, como a maioria dos simples mortais e, ao mesmo tempo, como quem sob forte e permanente encantamento, transcende o modo de ser dos comuns, dedicando toda sua vi­da a operar o miraculoso prazer criativo e encantador da arte.

O maestro Altino Pimenta, um dos discípulos de Neves, sempre de forma apaixonada e poética, tem firmado a idéia de que um mundo sem violência e feliz só será possível quando a humanidade tiver garantido o direito à arte, especialmente à músi­ca de boa qualidade, erudita ou popular. Por isso é pertinente afir­mar que a música é, em si mesma, meio e fim da utopia humana de felicidade.

Aos 85 anos, em plena atividade criadora, Adelermo Matos é uma das maiores expressões da construção da beleza, busca eterna da perfeição, como diria Henfil.

Em libreto produzido pela Funarte, Maurício Quadrio, referin­do-se à unidade na grandeza das obras do gaúcho Radamés Gnattali e do paraense Waldemar Henrique diz: “Maravilhoso e fas­cinante o mundo musical brasileiro em que as grandes distâncias são prodigiosamente encurtadas por um singular milagre que só a arte sabe realizar”.

Pode-se afirmar que a arte mais uma vez operou milagres ao aproximar o caboclo Adelermo Matos de grandes mestres da músi­ca universal de Alda Leão a mestra de canto lirico Antonia Bahia de Heitor Villa-Lobos, seu amigo e mestre no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico à não menos famosa contralto italia­na Benzanzoni Lage; de João Francisco de Almeida, seu mestre paraense de violão, e Maria Paranhos, mestra de bandolim, em Belém, ao Maestro Angelo Quaranta do curso de instrumentos an­tigos do Conservatório de Santa Cecília de Roma.

A rigorosa formação erudita permitiu a Adelermo Matos uma carreira virtuosa como instrumentista e compositor de mais de uma centena de peças. Como exímio tenor, interpretou os mais importantes nomes da música universal, tendo sido solista de im­portantes obras: no papel de Radamés da ópera Aída; no papel de Pinkerton da ópera Madame Butterfly; no papel de Alfredo da ópe­ra La Traviata e no papel de Peri na ópera O Guarani etc.

Em sua “Academia Paraense de Técnica Vocal” ou em diver­sas instituições da rede pública de ensino, Adelermo Matos tem sido mestre de várias gerações de músicos paraenses. Em 1971, fundou o Coral do Colégio Estadual Augusto Meira. Em 1 972, fun­dou o Conjunto Folclórico do Pará que, baseado em rica pesquisa, projetou-se nacional e internacionalmente, universalizando a músi­ca paraense autêntica.

Villa-Lobos, segundo Nina Pinto, libreto do CD “Vilia-Lobos, Sebastião Tapajós” (violão) da L’ART, 1 987 disse, certa vez: “Via­jei muito. Muitíssimo. Andei por todos os rincões de minha terra fascinante. Escutei os tambores dos índios nas noites cheias de mistério. Vivi com aborígenes, em regiões que quase escapam às cartas geográficas. Andei em canoas primitivas. Conheci o desco­nhecido Amazonas, quando fiz parte de uma expedição científica. Naufraguei várias vezes e, sempre, salvei os meus instrumentos musicais.”.

Não por mera coincidência, o maestro Adelermo Matos, atra­vés do miraculoso poder da música, de maneira inversa, repetiu a façanha de Villa-Lobos. Após viajar pelo Brasil e por diversos ou­tros países, estudando, compondo, cantando e ensinando, pôs-se a viajar “por todos os rincões” do Grão-Pará. A partir de suas qua­se solitárias expedições culturais traduziu, com originalidade, as mais ricas manifestações rituais e musicais dessa nossa Amazônia, “terra fascinante”.

O livro que ora apresento é uma humilde manifestação de reco­nhecimento a esse valoroso maestro paraense.

O livro registra inicialmente algumas cartas dirigidas a mim pe­lo maestro desde o momento em que, na condição de prefeito de Belém do Pará, certamente em nome de todos os paraenses, propus editá-lo.

O operário da palavra Acyr Castro com “Resgatando um Mundo” presenteia Adelermo Matos com uma bela e carinhosa de­claração sobre a importância de sua obra. “Em Busca dos Eldorados Musicais” é o texto tecido por Luiz Arnaldo Campos so­bre Adelermo Matos, personagem de um documentário que por ele está sendo roteirizado. Fechando essa fase das apresentações o ex-aluno de Adelermo, maestro Tynnôko Costa, que com muita dedicação coordenou tecnicamente a organização desta obra, fala “Ao Mestre e Amigo...” com carinho e o reconhecimento de sua importância à musicologia paraense.

“Maestro Adelermo Matos: música na mata” é mais uma obra de Adelermo Matos. Desta vez, sobre a vida e a obra do próprio Adelermo Matos. Infelizmente, não reúne toda sua obra musical produzida até este momento. Mais de uma centena de composi­ções vão esperar por um novo esforço de sistematização e edição, haja visto que se pretendeu, neste trabalho, publicar “as partituras musicais das danças folclóricas paraenses ... das mais belas músi­cas criadas pelo povo do nosso Pará.”.

Este presente de início de século e milênio ao povo paraense coincide com os festejos de 85 anos de idade de seu autor, em 11 de outubro de 2001, e antecede o trigésimo ano de fundação do Conjunto Folclórico do Pará, que traz as músicas, gravadas em vi­nil na década de 1 970, regravadas em CD, acompanhando o livro.

 

Belém do Pará, outubro de 2001.
Edmilson Brito Rodrigues
Professor e Arquiteto
Ex-aluno do Maestro Adelermo Matos no Colégio Estadual Augusto Meira

Prefeito de Belém do Pará

*Edmilson Rodrigues é arquiteto, professor, artista plástico, compositor, escritor e parlamentar, atualmente exerce o mandato de deputado federal. O Texto foi publicado originalmente no livro: Maestro Adelermo Matos:Música na mata" , um resgate da musicalidade folclórica, do músico paraense Adelermo Matos, através de sua biografia e da publicação das partituras musicais das danças folclóricas, editado pela Prefeitura Municipal de Belém, Outubro/2001 - FUMBEL.

 

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