Energia produzida em buracos negros é uma das mais extremas do Universo e produz raios próximos à velocidade da luz, diz pesquisa da USP
Atualidades
Publicado em 22/04/2022

Foto: Reprodução PxHere

Jornal da USP- Aceleradores de partículas são construídos na Terra para pesquisar fenômenos físicos, concentrando grandes quantidades de energia para movimentar partículas menores que o átomo a velocidades extremamente altas e observar seu comportamento. No espaço, também há aceleradores de partículas, na forma de jatos de gases que emanam dos buracos negros. Eles são capazes de acelerar partículas a altíssimas energias que viajam a velocidades próximas à da luz, denominadas raios cósmicos. No Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, uma pesquisa usou simulações de computador para entender como funcionam os jatos e como estes aceleram partículas, revelando que a energia envolvida na sua formação está entre as mais extremas produzidas no Universo, muito superior à que se produz nos aceleradores de partículas feitos pelo ser humano.

Os resultados do trabalho são descritos em dois artigos publicados na revista científica Astrophysical Journal, em fevereiro e em maio de 2021. “As galáxias e os seus núcleos contendo buracos negros e jatos são os ‘tijolos’ que compõem estruturas ainda maiores do Universo, que são os aglomerados de galáxias”, conta a professora Elisabete de Gouveia Dal Pino, do IAG, que coordenou o estudo.

“Entender como esses núcleos e jatos se formam e emanam do centro dessas galáxias ajuda-nos a entender não só o seu processo de formação e evolução, mas também o dos aglomerados de galáxias, ajudando ainda a compreender melhor os processos físicos que acontecem ao redor dos buracos negros.”

Profa. Dra. Elisabete M. de Gouveia Dal Pino - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Profa. Dra. Elisabete M. de Gouveia Dal Pino – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Assim, a pesquisa, buscou identificar a origem dos raios cósmicos de energias extremas (UHERCRs, sigla em inglês para ultra-high-energy cosmic rays) nos jatos relativísticos, que são ejeções de gás de partículas carregadas permeadas por campos magnéticos, produzidas pelos buracos negros. “A maioria das galáxias tem em seu núcleo, ou seja, em seu centro, buracos negros supermassivos, com massas de milhões a bilhões de vezes maiores que a massa do Sol”, afirma. “A Via Láctea, que é a nossa galáxia, por exemplo, hospeda em seu núcleo um buraco negro considerado pequeno, de 2 milhões de vezes a massa do Sol.”

Os jatos que emanam de galáxias com buracos negros supermassivos, denominadas galáxias ativas, são chamados de relativísticos porque se deslocam com velocidade próxima à da luz, aponta a professora. “A pesquisa tentou explicar ainda os mistérios que envolvem a emissão em raios gama e também de neutrinos, partículas menores que o átomo que essas fontes produzem através dos raios cósmicos”, relata. “Para modelar esses jatos, realizamos simulações numéricas de alta performance em nosso cluster de computadores, que reconstroem a evolução de um jato.”

Aceleração de partículas

Para simular os jatos e a produção dos raios cósmicos, foram injetadas partículas de baixa energia (prótons), que então foram aceleradas no jato por um mecanismo denominado reconexão magnética. “As partículas são aceleradas exponencialmente a energias de 1016 a 1020 elétron-volts, que estão entre as mais extremas do Universo”, descreve Elisabete Dal Pino. “Essas simulações correspondem aos raios cósmicos de energias ultra-altas detectadas pelo Observatório Pierre Auger, localizado em Mendoza, na Argentina.”

Os experimentos demonstraram que somente por meio de fontes astrofísicas é possível acelerar partículas com energias tão altas. “Para se ter uma ideia, os maiores aceleradores existentes na Terra, instalados no laboratório da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, aceleram partículas no máximo até 1013 elétron-volts, ou seja, embora haja outras fontes astrofísicas potencialmente capazes, os jatos relativísticos de buracos negros são um desses ‘aceleradores cósmicos de partículas’”, ressalta a professora.

Localização de TXS 0506+056 observada em raios gama (energias superiores a 1 GeV) pelo Telescópio Espacial Fermi - Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Localização de TXS 0506+056 observada em raios gama (energias superiores a 1 GeV) pelo Telescópio Espacial Fermi – Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Os pesquisadores agora reconstituem todo o fluxo de radiação e de neutrinos produzidos pelos raios cósmicos ultra-energéticos em galáxias ativas.

“Em especial, estamos reproduzindo o fluxo observado na galáxia ativa TXS 0506+056, também denominada Blazar”, relata a cientista. “Essa galáxia fonte se tornou famosa em 2018 com a descoberta pelo observatório IceCube, situado na Antártida, e vários observatórios de raios-gama, da emissão simultânea direta de neutrinos e raios-gama pela primeira vez em uma fonte astrofísica, o que evidenciou a presença de raios cósmicos de energia ultra-alta nos jatos relativísticos.”

Além da professora Elisabete, o trabalho teve a participação dos pesquisadores de pós-doutorado do IAG Juan Carlo Rodriguez-Ramirez, Luis Kadowaki e Tania Medina-Torrejon, além do professor Grzegorz Kowal, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Também colaboraram com o estudo Yosuke Mizuno, da Shanghai Jiao Tong University, na China, o Institut für Theoretische Physik, Goethe University, na Alemanha, e Chandra Singh, da Yunnan University,  na China.

Mais informações: e-mail dalpino@iag.usp.br, com a professora Elisabete de Gouveia Dal Pino

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