Foto: Instagram @medidaprovisoriaofilme
Vivemos em um tempo difícil que exige coragem para desafiá-lo e para traduzir em uma narrativa o que muitos de nós, negros, sufocamos na garganta. É o que faz Lázaro Ramos em “Medida Provisória”, filme de estreia do ator na direção de longa-metragem. No thriller político, ele nos convida a questionar a discussão de raça e gênero em um Brasil forjado no mito da democracia racial.
“Medida Provisória” é imperdível não só pela temática – e, desde já, proponho a todos que procurem o cinema mais próximo para assisti-lo ainda nesta semana. Ele se consagra como um filme importante no tempo histórico em que vivemos. Abre um caminho sem volta, para que narrativas sobre pessoas negras sejam contadas e dirigidas por elas mesmas. Como o próprio diretor nos convida a pensar, a utopia é um objetivo a ser alcançado e o sonho, a nossa ferramenta.
A narrativa flui num futuro distópico, quando o governo decreta uma ordem que obriga todas as pessoas com traços afrodescendentes a voltarem para a África, como uma forma distorcida de reparação histórica pelo período da escravidão. Com roteiro de Lázaro Ramos e Lusa Silvestre, o filme é uma adaptação da peça “Namíbia, não!”, de Aldri Anunciação, dirigida por Lázaro em 2011.
Atento às contradições do que é ser negro no Brasil, o diretor aborda temas como colorismo, afrocentrismo e o extermínio da população preta, mas não só isso. O filme convoca o espectador a refletir sobre o papel de cada um, numa sociedade colonialista, que atravessa o tempo perpetuando a violência.
A deportação para a África pode ser lida como uma manifestação da colonialidade, que estende a experiência do passado colonial até os dias de hoje, por meio da manutenção de estruturas de dominação e controle social. Sem dúvida, incursões autoritárias, ainda nos dias de hoje, alimentam a memória da dor e da violência e favorecem sistemas distópicos. O que fica claro é que precisamos retomar uma consciência coletiva que anda adormecida, um despertar cívico, que poderá garantir um tempo de existência mais saudável e justo para as sociedades.
Afinal, se a luta antirracista é de todos, o que mais está faltando para que o senso de consciência coletiva se desperte? E aqui, mais uma vez, não me refiro apenas à comunidade negra exercendo políticas e práticas antirracistas. Queremos saber quem é aliado nesse caminho de retomada e redistribuição de poderes, quem, realmente, renuncia aos privilégios.
Taís Araújo, no papel de Capitu, – nome da célebre personagem de Machado de Assis, um escritor negro, diga-se de passagem – representa a mulher negra, independente e livre para fazer suas escolhas, que luta pelo direito de viver a sua vida como bem entender e quiser. Seu Jorge vive o jornalista André e garante uma boa dose de humor sarcástico. Já Antônio, interpretado por Alfred Enoch, é o advogado que acredita na Justiça e luta pelos direitos da população negra por vias institucionais.
O cinema negro resiste neste país. Como dizia o saudoso ator e cineasta Zózimo Bulbul, uma referência da cinematografia afro-brasileira nas décadas de 1960 e 1970, a câmera é uma arma poderosa. “Medida Provisória” nos mostra que estamos sabendo usá-la. Com o filme, imaginamos que é possível retomar os rumos que queremos para as nossas histórias e o nosso povo negro. Sejamos antirracistas na prática: todos nos cinemas na primeira semana de estreia do filme e boa sessão para vocês!
*Mônica Francisco é deputada estadual pelo PSOL-RJ. Nascida no Morro do Borel, favela da Zona Norte do Rio, ela luta pela defesa dos direitos humanos há mais de 30 anos.
Por Mônica Francisco, deputada estadual pelo PSOL (RJ) e publicado por Mídia Ninja.