Se, para muitos, a vitrola e os discos de vinil estavam perdidos no tempo depois da chegada de novas tecnologias, eles têm embalado os dias de pacientes em tratamento na Fundação Hospital de Clínicas Gaspar Vianna (HC), em Belém. A bordo de um carrinho, marcados pelo ritmo das palmas e até de passos de dança, a vitrola toca sucessos da música popular brasileira nas enfermarias do hospital, contribuindo para processos de recuperação e na abordagem de outros problemas que podem surgir em função do período hospitalização.
No Hospital de Clínicas, a responsável pela utilização da música no formato não tão comum para ambientes hospitalares e até para os dias atuais, é a psicóloga Tereza Rocha. O trabalho começou a ser feito ainda em 2019, segundo ela, para atender uma demanda específica da clínica médica, onde, por vezes, a permanência hospitalar é longa.
“Eu sempre achei que a música fosse algo que, bem trabalhado, produziria algo muito maravilhoso nas pessoas, no sentido delas terem recurso para lidar com todo esse sofrimento, essa tristeza que é ficar internada por um longo tempo dentro de um hospital”, informa ela.
A metodologia escolhida foi apresentar a música gravada em disco de vinil. “Como eu não sei cantar, nem tocar instrumentos, pensei no disco algo que tenho em minha casa. Tenho muitos discos, uma vitrola e uni o útil ao agradável. Era algo que eu sempre quis fazer como uma doação para o hospital”, explica a psicóloga.
A ampliação do projeto, entretanto, foi interrompida obedecendo a evolução dos protocolos de segurança contra a pandemia de covid-19. Mas no início desse ano, o retorno veio, diante da possibilidade de trabalhar a terapia com pequenos grupos, nas enfermarias, para não causar aglomerações, como explica Tereza. “No dia anterior passo, procuro qual a música o cantor ou cantora que eles gostariam de ouvir. No dia seguinte, depois de ouvirmos as músicas, abro para as questões da vida deles”. O resultado, segundo a psicóloga, se manifesta de várias formas. “Geralmente vem emoções de choro, não digo de tristeza, mas de um recordar saudosista, de tempos que, por mais difíceis que possam ter sido, trazem recordações muito boas, maravilhosas”, refere ela.
Exemplo disso, em uma das últimas sessões da terapia, realizada às sextas-feiras, a aposentada Therezinha da Costa Pinheiro, 79 anos, de Abaetetuba, foi às lágrimas ao ouvir a música “É o amor”, na gravação de Leandro e Leonardo. Internada para o tratamento de uma insuficiência cardíaca, ela viu a filha se unir à acompanhante da paciente do leito ao lado para ensaiar passos de dança.
Na enfermaria em frente, a manicure Magali Rodrigues, que acompanha o marido Adalberto Pamplona, internado para realizar um cateterismo, comemorou o início da atividade. “Achei superlegal. Quando ouvi a música tocando no outro quarto só pedia no meu pensamento ‘vem pra cá’”, confessou a amante das canções de Amado Batista e Roberto Carlos.
Com gosto musical oposto ao da companheira, Adalberto Pamplona fez questão de indicar suas preferências musicais: “sou fã de bossa-nova”, conta ele. Diferenças colocadas, em um ponto o casal foi harmônico. “As músicas nos levam para longe, para coisas boas da nossa lembrança”, declara Magali, com a total concordância do marido.
Enfrentando o adoecimento
A inclusão da música na intervenção de saúde vai além do domínio de sintomas e emoção. Ela possibilita que o paciente consiga um maior diálogo e narrativa do que ele está passando, do processo de adoecimento dele. Segundo a psicóloga Tereza Rocha, “é nesse momento que ele traz toda uma história de vida, do que ele viveu, como se sente, e isso promove um bem-estar, reduz a ansiedade, e resulta numa estratégia de enfrentamento para um possível pós adoecimento, e se vai ser um caso pontual, ou se vai ser uma doença crônica, que vai demandar uma estrutura psíquica desse paciente”, ressalta ela.