Cena do filme "Medida Provisória", com direção de Lázaro Ramos e estrelado por Tais Araújo e Alfred Enoch, com etreia nesta quinta nos cinemas do Brasil
Lázaro Ramos é um artista desses que nos fazem voltar a acreditar no Brasil. Desde a adolescência, sempre o achei um ator acima da média, mas , com “Medida Provisória”, ele mostra uma versatilidade e espírito de compromisso com o país que ele, com brilho nos olhos, afirma ainda “ter esperança”, em entrevista concedida nesta semana ao Roda Viva, da TV Cultura.
O filme, segundo o ator, sofreu censura do atual governo. Ele ficou pronto em 2019, porém, somente agora foi liberado. Estava emperrado em diversas burocracias, e, segundo Lázaro, a Ancine foi uma das maiores responsáveis por isso.
“O que sabemos é que um membro do governo puxou um boicote lá atrás, dizendo que o filme foi feito para falar mal do ‘messias’. Depois, a gente precisava de uma simples assinatura para trocar nossa distribuidora e isso demorou um ano e alguns meses para acontecer”, explica Lázaro. “Censura também se faz com burocracia e foi isso o que aconteceu. O flerte com a censura é expediente desse governo, a gente sabe”, disse ele ao Roda Viva.
Lázaro explica que ele e Taís Araújo tiveram que ir até a imprensa para relatar os acontecimentos, o que acabou liberando o filme agora, ironicamente, às vésperas das eleições no Brasil. Digo ironicamente, pois ele meche com temas bastante incômodos ao governo Bolsonaro. Tanto que provocou diversos ataques por parte de alguns membros da base bolsonarista. Mario Frias, Sérgio Camargo e Eduardo Bolsonaro foram uns dos que investiram contra o casal nas redes sociais. O ex-secretário de cultura disse que Taís Araujo vive em uma realidade paralela, já Sérgio Camargo e Eduardo Bolsonaro insinuaram que o casal de atores não trabalha.
No entanto, pelo efeito reverso às vésperas das eleições, o governo não esperava. Devido os ataques, o filme tem explodido em comentários nas redes sociais, e aqui em Belém, o Cine Líbero Luxardo já anunciou que irá abrir sessões especiais a partir do dia 21. No Brasil, Medida Provisória estreia nas telonas nesta quinta (14).
Medida Provisória conta a história de um Brasil num futuro distópico, onde o governo publica uma medida que obriga todos os negros a voltarem para a África. Entre eles está o casal vivido por Taís Araújo e Alfred Enoch -ator anglo-brasileiro que consagrou-se ao viver o bruxo Dino Thomas, da saga Harry Potter. Na trama principal, o casal luta pra ficar junto em meio à perseguição e confinamento.
Além deles, e elenco arrebatador traz também Seu Jorge, Adriana Esteves, Renata Sorrah e Emicida. O racismo institucionalizado é colocado em pauta e por isso se assemelha à própria realidade brasileira atual.
Numa linguagem que dialoga com a produção audiovisual contemporânea, com temas sociais embalados dentro de enredos que levam situações normalizadas no cotidiano aos seus extremos, o filme chegou a ser comparado à série britânica “Black Mirror” e o coreano vencedor do Oscar “Parasita”.
“Quando a gente fez o filme, era para ele ser um alerta de coisas que a gente não queria que acontecessem, mas várias aconteceram, o que o tornou ainda mais urgente, principalmente em ano eleitoral. Se há várias semelhanças entre o Brasil e o filme, isso significa que a gente tem que parar para conversar de novo, porque a gente fez escolhas erradas no caminho”, diz Lázaro.
Por Ju Abe