Em Manaus, mostra de moda indígena celebra a estética e cultura dos povos tradicionais
Atualidades
Publicado em 06/04/2022

Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Amazônia Real- A Maloca dos Povos Indígenas, localizada no Parque das Tribos, primeiro bairro indígena oficializado pela prefeitura de Manaus, foi palco para a celebração do trabalho de 19 estilistas e dois coletivos, sendo 17 mulheres de diversas etnias como Sateré-Mawé, Baré, Tikuna, Desana, Witoto, Mura, Tariano, Miranha, Marubo, Kulina, Kambeba, Munduruku e Karapanã. A abertura da 1ª Mostra Intercultural de Moda Indígena do Brasil ocorreu no sábado (2) e apresentou o resultado de tradições específicas desses povos que permanecem vivas por meio de pinturas e tecidos.

Com o tema “Grafismo indígena: Tradições, Ancestralidade e Contemporaneidade”, as peças apresentadas na Mostra valorizam a ancestralidade dos povos indígenas, suas histórias e a sua resistência. “As minhas peças foram inspiradas nas minhas ancestralidades e na valorização da minha cultura. Os grafismos indígenas representam a resistência do meu povo, principalmente a resistência das mulheres Sateré Mawé. São grafismos que significam força, coragem, garra”, disse Elisa Sateré-Mawé, uma das estilistas estreantes no evento.

Para a também estilista e professora da educação infantil Claudia Baré, a Mostra serve como um canal para a visibilização da criatividade e originalidade dos estilistas e artesãos indígenas, pouco valorizados no mercado da moda. “Muitas das vezes somos copiados, os nossos grafismos, as nossas roupas, mas nunca deram oportunidade para nós mesmos como artesãos e como estilistas. Até para os nossos jovens nunca deram oportunidade. Esse projeto veio com o objetivo de mostrar para o mundo a nossa verdadeira cultura indígena, de forma geral, para que ela seja vista, seja destacada pelos verdadeiros protagonistas que somos nós indígenas. Precisam conhecer a nossa moda, para valorizar e respeitar”, enfatizou.

Jovens meninas, filhas de algumas das estilistas presentes, desfilaram usando os trajes confeccionados por suas mães, tornando o momento ainda mais representativo. Esse foi o caso de Vivian Baré e Natali Baré. As modelos são, respectivamente, filhas de Claudia Baré e Natalina Baré. Para Natali, mostrar o trabalho de sua mãe é lembrar a importância da luta do seu povo. “Muita gente não conhece a nossa cultura e nossos projetos enquanto indígenas. Para mim, está sendo grandemente bom participar desse desfile, e poder mostrar o trabalho da minha mãe”, disse.

Já Vivian realiza um sonho de infância desfilando pela primeira vez em um evento totalmente indígena. “Esse desfile significa muito para mim, porque na verdade é um sonho desde sempre, e agora estou podendo ter essa oportunidade de estar desfilando com peças indígenas e uma representatividade toda indígena. Minhas roupas são casca de tururi, grafismo da onça, penas originais de pássaros, piaçaba. Tudo tem um significado e importância e é muito bom poder levar isso para outras pessoas conhecerem e que portas sejam abertas através disso”, celebra a modelo.

A presença de múltiplos povos indígenas em um só espaço resultou na apresentação de diversos adereços e criações únicas, que representam uma história de resistência e a demarcação dos corpos indígenas em espaços como a moda. Uma das principais lideranças femininas do Parque das Tribos, a técnica de enfermagem e militante da causa indígena Vanda Ortega Witoto, falou sobre a importância da realização de um evento como esse e os impactos sociais da valorização do trabalho indígena.

“A nossa moda é ancestral porque a gente carrega nas nossas peças a história de cada povo, de cada mulher que costurou, que fez a pintura, que pesquisou a história de cada grafismo. Isso para nós é a nossa resistência também, porque há muito tempo não pintamos os nossos corpos, não pintamos as nossas roupas com essas pinturas que têm um significado que vem ancestralmente carregado. Essa pintura é uma demarcação dos nossos corpos, porque a moda não absorve os corpos indígenas e aqui foram mulheres indígenas que costuraram, foram corpos indígenas que vestiram essa roupa e a sociedade não indigena que pode adquirir uma peça dessa também vai carregar a história dessas mulheres indígenas”, disse.

Para Vanda, através da moda as histórias de mulheres indígenas podem ser contadas e impactar a sociedade de uma forma positiva. “A gente quer trazer para o mercado essa consciência de como se vestir e não vestir somente um produto, mas a história de cada mulher que produz essas peças”.

O cacique e estilista Ismael Munduruku imprimiu em suas roupas símbolos passados a ele de geração em geração, ensinados por sua família e que vestiram também o seu filho, o modelo Ismael Filho Munduruku. “Foi algo gratificante ver o meu filho desfilando com uma peça que eu produzi, uma peça que simboliza a juventude dele, a liderança passada de pai pra filho”, afirmou. Segundo o cacique, as roupas expostas no desfile representam as etnias, os idiomas, a arte e a cultura dos diversos povos indígenas representados no Parque das Tribos, e se tornou particularmente especial o fato do evento ser feito na Maloca dos Povos Indígenas:

“Mostrar o talento dos indígenas para as roupas é importante porque sempre nós mesmos fizemos as nossas roupas. Não tínhamos acesso a roupas prontas, logo sempre confeccionamos e fazer isso na Maloca do Parque das Tribos foi mais importante ainda, porque aqui estão sendo representadas mais da metade das etnias indígenas que existem no estado do Amazonas. A maloca tem um simbolismo muito grande para nós, tanto espiritual como de luta, porque as coisas importantes são feitas na maloca”.

Outro estilista homem, um dos únicos ao lado de Ismael Munduruku, é Adolfo Tapaiuna, indígena pertencente ao povo Sateré-Mawé. Para Adolfo, que é membro do coletivo Watyamã, as oportunidades no mundo da moda para jovens indígenas são escassas, e a Mostra é uma possibilidade concreta de apresentação de anos de trabalho inspirados em mulheres de sua família, como a sua avó Kutera Sateré.

“A minha família é toda constituída de mulheres e eu sou o único homem do coletivo (Watyamã). As mulheres são linha de frente e eu sempre me espelho nisso, eu cresci nesse meio e me inspiro em minha avó, que sempre acreditou na moda indigena; nas biojoias, nas palhas, nos grafismos corporais. Levar tudo isso como estilista é muito gratificante”, disse.

O estilista acredita que o movimento iniciado pela Mostra quebra estereótipos de que a moda é uma coisa apenas europeia. “Esse projeto mostra para o público que Manaus é uma potência em moda e tem vários estilistas que ainda não foram descobertos. Acredito que muitos que estão nesta Mostra estarão um dia no São Paulo Fashion Week e que a moda indigena possa ser levada a diante para o mundo”, ressaltou.

No Parque das Tribos vivem 700 famílias pertencentes a 35 etnias indígenas. A cacica geral do Parque das Tribos, Lutana Kokama, evidencia a necessidade de se olhar mais para o trabalho dessas estilistas e o consumirem, aumentando sua visibilidade e independência financeira.”Essa mostra vai trazer visibilidade para as mulheres indígenas que trabalham com modelos de roupa e com pinturas, para que elas possam se sentir empoderadas para trabalhar, para ter o seu ganho. As pessoas vão vir ao Parque das Tribos e vão ter a oportunidade de ver essas produções. Eu como cacique geral fico muito grata”, disse ela em entrevista à  Amazônia Real.

Reby Ferreira, produtora executiva do evento, acredita que a Mostra quebra estereótipos sobre a imagem dos indígenas não só no mundo da moda, mas para a comunidade em geral. “Resistência é a palavra que vem ao meu coração. Eu fiquei  emocionada com o evento, não imaginei que tomaria essa proporção e eu fui ver aqui através dos grafismos, das vestimentas a cultura de cada povo. Mostrar para o Brasil e para o mundo que indígena não tem só uma imagem, mas que são várias etnias e que é um povo lindo. Existe o estereótipo do indígena, o estereótipo da vergonha e hoje a gente está quebrando isso e mostrando que é bonito ser indígena”.

ª Mostra Intercultural de Moda Indígena do Brasil 

Veja onde serão os outros eventos

Data: 9 de abril

Horário: 18 horas (horário local)

Local: Salão Solimões, anexo do Palácio Rio Negro, localizado na Avenida 7 de Setembro, 1546, Centro

Data: 23 de abril

Horário: 18 horas (horário local)

Local: Praça de Alimentação do Sumaúma Park Shopping, localizado na Avenida Noel Nutels, 1762, Cidade Nova.

*As entradas serão gratuitas, mediante a apresentação de carteira de vacinação e utilização de máscaras durante todo o evento.

Por Nicoly Ambrosio

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