Negar o racismo estrutural é também um tipo de negacionismo
Atualidades
Publicado em 16/01/2022

Artigo racista publicado ontem na Folha poderia facilmente ser enquadrado na categoria de Fake News, e punida dentro da legislação brasileira

 

Por Ju Abe

 

Negar o racismo estrutural é uma das piores faces do negacionismo. Consenso científico é quando uma comunidade de cientistas e pesquisadores, baseada em fatos, dados científicos, estatísticas e teorias lógicas, chega a uma conclusão que é difícil de ser refutada.

É o caso do racismo estrutural. Os dados estatísticos são tão óbvios, que fica difícil refutar. Quando medem-se os índices das mazelas sociais, tais como analfabetismo, desemprego, morte violenta, desassistência sanitária, não tem como negar que nossa sociedade é racista, pois condena a parcela negra de sua população a perpetuar dentro das camadas que engrossam esses índices, enquanto a parcela branca desfruta do privilégio de viver sob a proteção estatal de tudo isso.

Ontem, o noticiário da Folha de São Paulo decidiu (sim, porque isto é uma decisão deliberada), dar voz a um tal escritor, chamado Antônio Risério, que grotescamente negou todos os fatos acima citados, alegando um tal “racismo negro”.

Grotescamente, o tal senhor cita vários casos isolados, para ao final, evocar algum tipo de “lógica às avessas”, e chegar à conclusão de que o racismo negro é regra, e portanto, só não está sendo debatido porque haveria uma grande conspiração midiática para acoberta-lo.

Não foi capaz de citar um dado estatístico, nenhuma teoria social de causa e efeito, nenhum dado social comprovado, claro, pois simplesmente não há.

Aristóteles, inventor da lógica argumentativa, deve ter-se retorcido no Além dos deuses da ciência-algo desconhecido desse tipo de gente. Fez-me lembrar um certo senhor, que começou a falar tudo o que lhe dava na telha, utilizando uma retórica que a muitos parecia lógica, e acabou por se tornar o guru do presidente de uma grande nação chamada Brasil- sim, estou falando de Olavo de Carvalho.

Mas, desses senhores que abusam do Português para dar ares de facticidade às suas elocubrações delirantes, nós já estamos- digamos- vacinados, afinal, já era de se esperar de um branco, autor de coisas como “A fantasia fascista da esquerda identitária”, falar besteiras nesse nível. O que é mais difícil de compreender é como um veículo que se diz imparcial e comprometido com a verdade, pode dar voz em pleno século XXI a algo dessa categoria. A Folha mostrou-se ontem apenas mais do mesmo. E “mais do mesmo”, numa era em que imprensa não faz o mínimo de esforço pra desafiar o status quo, será apenas mais uma arma para a perpetuação da mácula da desigualdade social.

 

Ilustração: Eco Nordeste

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