Thiago de Mello fundiu imaterialidade, cultura amazônica e militância numa só lírica, sem renunciar à simplicidade
14/01/2022 14:06 em Atualidades

Por Ju Abe 

 

Morreu na manhã desta sexta-feira no Amazonas o poeta, escritor, artista gráfico e roteirista Thiago de Mello. A morte ainda é de causa desconhecida. O governador do Amazonas, Wilson Lima, decretou luto oficial de três dias.

                Thiago de Mello nasceu em Barreirinha, cidade no interior do Amazonas, que respirava os ares límpidos da nossa amada e ameaçada floresta. Cresceu vendo a vida em sua mais esplêndida manifestação, e com toda a certeza a visão da natureza o fez ter vontade de lutar.

                Poeta de alma revolucionária, bradava um sentimento de indignação diante das injustiças, sentimento que, no entanto, nunca fora apartado da ternura e do amor sempre presentes em seus versos. Possuía uma lírica rara, que consegue reunir simplicidade, indignação e ternura: “Do que valeu se hoje, manhã deste milênio novo/ avança, imensa e escura bem na fronte/ a marca suja da miséria humana, / gravada em cinza pela indiferença/ dos que pretendem donos ser da vida,/ avança escura uma legião de crianças/ deserdadas do amor e todavia/ capazes de sorrir: maior milagre/ do século perverso que criou”.

                Em seus versos, era possível ver o poeta indignado, mas também a profundidade das coisas da alma: “No pecado, que é nosso abismo e amparo, / está no entanto a chave, humana e esquiva, / do mundo que nos coube e seu mistério, / - se aprendermos a amar. Aquém de amar/ O pássaro azul, importa amar/ tão simplesmente o pássaro, sem céu.”

                O escritor, que foi amigo de Pablo Neruda em sua estadia no Chile e recebeu homenagem pública de Paulo Freire, nunca deixou seu lado militante esfriar, desafiando a Ditadura Militar em versos de teor provocativo como Faz Escuro Mais Eu Canto e Os Estatutos do Homem.

                Suas obras foram traduzidas em mais de trinta idiomas. Fora apelidado de “poeta da floresta”, e foi nela que decidiu passar os seus últimos dias. Retornou às margens do rio Andirá em 1977, a 330 quilômetros de Manaus, depois de morada no Rio de Janeiro, permanecendo lá até os últimos dias. Thiago parte e leva consigo um pouco da cultura amazônica, a qual ele nunca deixou de reverenciar em seus versos, com um tom de lamento pela negligência e descuidado das autoridades com a preservação.

                Um poeta de alma simples, com palavras diretas que tratavam do imprescindível, do necessário, daquilo que não pode calar apesar de tudo. Thiago nunca deixou de bradar a sua cultura amazônica, mas com certeza transcendeu isso. Se fez necessário dentro dos debates sobre as injustiças, dos lugares onde são necessárias as palavras que denunciam as injustiças sociais. Sem sombra de dúvidas, uma das mais expressivas vozes amazônicas, e a prova viva de que a Amazônia é tema central e necessário nos maiores debates sobre o futuro da humanidade.

 

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